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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os demônios na educação

 Por João Malheiro

Terminei recentemente a leitura de uma das obras de maior fôlego de Dostoievski, Os Demônios. Um autêntico tratado sobre o mal com certo tom de denúncia, no qual analisa a implantação subliminar da mentira social na Rússia no fim do século 19. A riqueza da obra consiste em seu caráter profético e totalmente aplicável às gerações futuras. Segundo o autor, o mal pode ser definido como a incapacidade de uma pessoa entrar em contato com a verdade e com a realidade. Uma autêntica privação de um poder, que foi sendo enfraquecido de forma subreptícia, sem, contudo, que a vítima se dê conta.

O personagem de destaque da obra é Piotr Stiepanovitch. Ele é o que os filósofos chamam niilista: desiludido, ressentido, descrente do homem e de Deus, talvez pela experiência de algum grande sofrimento injusto e incompreensível, vive sem ver sentido na vida e sua motivação existencial se apoia unicamente na ciência. É um filho do mal. Paulatinamente, vai se convencendo de que terá mais autonomia se idolatrar a ciência e matar a metafísica. E, aos poucos, vai defender que a racionalidade só é válida quando se pode medir, calcular, provar, sentir, comparar.

O aspecto mais perigoso de um niilista é sua vontade de destruir a relação entre pais e filhos. Ele enxerga nessa estratégia o caminho mais rápido para romper a transmissão da vida. Em paralelo, entende também como necessário fragilizar a relação entre homem e mulher. No início, vai mostrar que a ciência poderá dominar novas formas de reprodução, de família, que tornarão o homem mais emancipado, mais feliz. Vai promover legislações, caminhadas, campanhas que autorizem todo tipo de eugenia, eutanásia, formas de morrer, com argumentos de modernidade, vanguarda etc. Sua maior conquista será fazer que as mulheres acreditem que a maior desgraça que lhes poderá acontecer é ser mães... Mais tarde, como sempre acontece quando se cede à tentação, a própria sociedade perceberá que se tratava de mais um engodo.

O enfraquecimento da educação faz parte deste plano diabólico de destruição da relação entre pais e filhos. Para esta visão, não importa mais que os valores culturais sejam transmitidos. O mais importante é, na verdade, a sua completa destruição. Para que isso não tenha uma aparência despótica e violenta, várias teorias “demoníacas” foram nascendo ao longo dos séculos 19 e 20, de modo a justificar a implosão de todo o processo educativo. Nesse contexto aparece a teoria do bom selvagem (Rousseau), a de Freud (não se pode reprimir a espontaneidade nem os impulsos sensitivos da criança, mas somente estimulá-los, assim como toda a atividade sexual), o pragmatismo autônomo (Dewey), a valorização do método suplantando o conteúdo, o sentimentalismo educativo e tantas outras desvirtuações pedagógicas com auréolas de modernas e avançadas.

Já ficou claro qual é o mecanismo do mal e como ele o utiliza. Por meio de uma aparente verdade, sempre prazerosa e sem sofrimento, vai cegando a inteligência humana com a mentira, com uma promessa de retribuição de um prêmio futuro que nunca chega. Quando o homem consegue desvendar essa tramoia, as “teias de aranha” do engodo não o deixam mais libertar-se, e o sofrimento é sempre maior. Aquele que parecia um “anjo da luz” acaba mostrando, no fim, a sua verdadeira identidade.

João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ.

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