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sábado, 15 de setembro de 2012

A Filosofia para a Sala-de-Aula



G.K. Chesterton
Publicado originalmente no Daily News, 22 de junho de 1907
Tradução de Gabriele Greggersen
Retirado do site: Hottopos.com

Gilbert Keith Chesterton
O que o homem moderno precisa compreender é simplesmente que toda a argumentação começa com uma afirmação ponto-de-partida; isto é, com algo de que não se duvida. Pode-se, é claro, duvidar da afirmação base, mas, nesse caso, já estaria dando início a outra argumentação diferente, propondo que se parta de outra suposição. Todo argumento inicia por um dogma infalível, e esse dogma absoluto, por sua vez, só pode ser discutido, se recorrermos a outro dogma infalível: nunca se pode provar o primeiro ponto-de-partida (senão não seria ponto-de-partida).

Este é o be-a-bá do raciocínio lógico. E tem esta vantagem especial de que pode ser ensinado na escola, como qualquer outro be-a-bá. Não dar início a qualquer discussão sem antes declarar abertamente os postulados de cada um, é uma regra a ser ensinada tanto na filosofia, quanto na matemática de Euclides, ou em qualquer aula comum, usando giz e lousa. E penso que esse princípio poderia ser ensinado de forma simples e racional até mesmo ao jovem, antes de aventurar-se pelo mundo, à mercê da "lógica" e da filosofia imposta pela mídia.

Muitas das desorientações e dúvidas no campo religioso, surgem pelo fato de os céticos de hoje começarem sempre, falando sobre tudo aquilo em que eles não acreditam. Mas, mesmo de um cético, o que queremos saber primeiro é em que ele realmente acredita. Antes de começar a discutir, é preciso saber o que é que não se discute. Essa confusão aumenta infinitamente pelo fato de que todos os céticos de nosso tempo são céticos em diferentes graus dessa dissolução que é o ceticismo.

Agora, nós temos (espero), uma vantagem sobre todos esses novos filósofos sabidos: mantemo-nos em sã consciência. Acreditamos que existe, de fato, a catedral de São Paulo; e grande parte de nós acredita em São Paulo. É preciso deixar bem claro que acreditamos em muitas coisas que, embora façam parte de nossa existência, não podem ser demonstradas. Nem é preciso meter religião na história. Diria até que todos os homens de bom senso, acreditam firme e invariavelmente em umas quantas coisas que não foram provadas e que nem sequer podem ser provadas.

De forma resumida, são elas:

(1) todo ser humano em sã consciência acredita que o mundo e as pessoas ao redor dele são reais e não um produto da sua imaginação ou de um sonho. Ninguém começa a incendiar Londres, se está convencido de que seu criado logo o acordará para o café da manhã. Mas não temos provas, em nenhum momento, de que tudo não passa de um sonho. Que algo exista além de mim é uma afirmação que não está comprovada (nem se pode comprovar...).

(2) Todo homem em sã consciência, acredita não somente que este mundo existe, mas também que ele tem importância. Todo homem acredita que há, em nós, um tipo de obrigação de nos interessarmos por esta visão da vida. Não concordaria com alguém que dissesse, "Eu não escolhi esta farsa e ela me aborrece. Fiquei sabendo que uma senhora idosa está sendo assassinada no andar de baixo, mas eu vou é dormir ". O fato de que há um dever de melhorar coisas não feitas por nós é algo que não foi provado e não se pode provar.

(3) Todos os homens em sã consciência acreditam que existe uma certa coisa chamada eu, self ou ego e que é contínua. Não há nenhum centímetro de meu cérebro igual ao que era há dez anos atrás. Mas se eu salvei a vida de um homem numa batalha há dez anos atrás, fico orgulhoso; se me acovardei, sinto-me envergonhado. A existência desse "eu" axial nunca foi comprovada e não pode ser comprovada. Trata-se de uma questão mais do que "improvável" e que é muito debatida entre os metafísicos.

(4) Finalmente, a maioria dos homens em sã consciência acredita, e todos o admitem na prática, que têm um poder de escolha e responsabilidade por suas ações.

Seguramente é possível elaborar algumas afirmações simples como as acima, para que as pessoas possam saber a que se ater. E se os jovens do futuro não vão ter formação em religião, pode-se-lhes ensinar, pelo menos, de forma clara e firme, um pouco de bom senso, três ou quatro certezas do pensamento humano livre.

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1. "- Lógica, disse o professor para si mesmo. – Por que não ensinam mais lógica nas escolas" (C.S. Lewis, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. São Paulo: Martins Fontes, 1997,p. 50) e, no final da história, o professor comenta novamente, agora em alto e bom tom:
" - Céus! O que é que estão ensinando às crianças na escola?" (Idem, p. 180).

Extraído de 


Câncer de Chávez e colonização da Venezuela: verdade ou mentira?


G. Salgueiro

Ontem eu recebi uma correspondência de uma amiga venezuelana que faz mudar todo o panorama político das eleições presidenciais que ocorrerão no próximo 7 de outubro na Venezuela. Trata-se de uma carta escrita por um cubano que diz trabalhar no CIMEQ (Centro de Investigaciones Médico Quirúrgicas), o hospital onde Chávez fez suas cirurgias e tratamento contra o câncer, e que por motivos óbvios se identifica apenas com iniciais. Não tenho meios de afirmar que o escrito seja absolutamente fidedigno e conforme os fatos, como tampouco o descarto, como mais uma das tantas versões que se tem dado ao caso. Como o estado de saúde do ditador venezuelano é algo que desde o início prima pelo secretismo e o mistério, e o que mais se noticiou foi histórias controversas, resolvi traduzir tal correspondência apenas como registro, caso venha a se confirmar posteriormente.

É curioso notar, no entanto, que para quem foi apontado como tendo uma prognóstico sombrio que lhe dava uma sobrevida até as eleições ou no máximo logo após estas, Chávez continue em campanha e no último Encontro do Foro de São Paulo, ocorrido em Caracas, tenha discursado durante 2 horas seguidas, em pé, numa tribuna. É humanamente impossível que uma pessoa com um câncer tão agressivo lhe corroendo as entranhas tenha demonstrado tamanha disposição, sem sequer cambalear ou mostrar fraqueza na voz. Para não enfadar os leitores não publico o vídeo, mas quem tiver paciência (e estômago) pode vê-lo completo no encerramento desse encontro aqui, que tem duração de 3:54:32 h., e Chávez fala a partir de 1:47:03. 

Com relação à mensagem do cubano, vale a pena também lembrar de outra correspondência que recebi, onde se alerta para a mega-fraude que Chávez prepara para estas eleições utilizando os bons ofícios dos irmãos ditadores Castro. Há alguns anos publiquei no Notalatina a informação de que Chávez estava construindo um túnel com cabos submarinos que ligava Venezuela a Cuba e assim, TODAS as comunicações ocorridas na Venezuela seriam vistas - e controladas - pelos Castro. Nessa campanha Chávez vem alardeando que vai ganhar de Capriles por mais de dez milhões de votos e a forma que ele encontrou para conseguir esta cifra, sem que os venezuelanos votem nele, é utilizando esse cabo submarino, segundo comenta-se. 

Acessando o site do CNE (Conselho Nacional Eleitoral) e introduzindo o número da Cédula de Identidade, descobre-se os dados do votante, inclusive seu domicílio completo e a localização de sua mesa de votação. Pois bem, ali pôde-se ver que cidadãos cubanos, residentes e domiciliados em Havana, estão inscritos para votar EM CUBA nas eleições presidenciais da Venezuela. E numa entrevista muito interessante que o analista político venezuelano Eric Eckvall concedeu a Juana Isa, da TV Martí de Miami, o assunto abordado é sobre as máquinas de votação e a possibilidade de fraude que Chávez está preparando. Recomendo que vocês assistam a essa entrevista, onde ele também comenta a respeito desses dez milhões de votos.

O misterioso cubano fala de todas essas coisas no texto que traduzo abaixo e que soam muito verossímeis. Até 7 de outubro há que se atar todos esses cabos, mas em se tratando de comunistas, descobrir suas reais intenções e planos é o mesmo que procurar uma agulha no palheiro. Uma coisa porém é certa e clara: a participação de Chávez no infame “acordo de paz” entre o traidor presidente Juan Manuel Santos e as FARC, tem o objetivo único de reforçar sua campanha eleitoral que despenca a cada semana, e legalizar, oficialmente, a proteção que ele oferece a este bando narco-comuno-terrorista colombiano. Na próxima edição eu volto com este tema escabroso das FARC. Fiquem com Deus e até a próxima!


Assim caminha a violência da campanha eleitoral de Chávez: em Puerto Cabello, seus seguidores encendeiam o carro de som do opositor Capriles, destróem um carro e apedrejam os eleitores de Capriles. Na foto, de Alexis Crespo, pode-se ver um homem com pedras na mão, cujo movimento indica que vai lancá-la


Versão muito próxima da verdade

"Não sei muito bem por que estou fazendo isto. Sou cubano, vivo em Cuba e devo permanecer calado, tenho que permanecer calado. Escrever esta mensagem me custou várias visitas a lugares para alugar máquinas e escrever aos pedacinhos para que não saibam que eu ando nessa coisas. Digo que não sei porquê faço mas creio que sei: porque quero alertar as pessoas incautas que acreditam no comunismo como uma saída para seus problemas. Eu também acreditei. 

Tenho 62 anos e desses, mais de 30 transcorreram limpando chãos e lavando banheiros nos hospitais de Havana sem pensar em um futuro melhor e tratando de me convencer de que estudando e me preparando e gritando palavras de ordem em louvor a ele, minha vida ia mudar para melhor. Não foi e já sei que não será assim. Por algumas coisas que me atrevi a dizer em voz alta, nunca pude deixar de esfregar o chão, apesar de meus títulos e meus estudos.

Porém, de algo me serviu. Serviu para me desentranhar de uma das mentiras mais cruéis da história recente. Uma das quais moveu a maior quantidade de dinheiro e serviu para a maior corrupção que olhos humanos jamais viram: a suposta enfermidade grave do Presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Trabalho no CIMEQ, um excelente hospital de Havana que está fechado para o tratamento do povo, salvo exceções de gravidade. É o centro onde se disse muitas vezes que Chávez estava sendo tratado. É o centro de “reclusão” dos tempos em que Chávez e Fidel prepararam com detalhes insuspeitos sua infame história. 

É certo, Hugo Chávez passou várias semanas em uma suíte do CIMEQ à qual NINGUÉM tinha acesso, salvo seu chefe, alguns de seus ministros (os mais achegados) e duas de suas filhas. Nas oportunidades em que sua mãe foi vê-lo, só esteve na suíte menos de 5 minutos e nunca sozinha. Melhor dizendo, a única pessoa que estava lá sozinho era Fidel. Todos os demais, em 90 por cento das vezes, estavam acompanhados pelos esbirros do regime, aqueles cuja fidelidade a toda prova custou milhões de dólares venezuelanos. Porém, de tudo se sabe e se você nunca foi a Havana, você não sabe como é fácil comprar e vender consciências neste país de fome.

O que aconteceu? Muito simples de explicar: Chávez teve um câncer muito benigno, um tumor na próstata que se atendeu rapidamente e se resolveu. Esse tratamento produziu umas queimaduras na zona inguinal que causaram muitos aborrecimentos, sobretudo porque, por não ter sido um tratamento tradicional, nunca se soube se foi efetivo ou não. Também teve um pequeno problema no osso da bacia (na cabeça do fêmur, exatamente) como conseqüência de um erro médico.

Até aí é verdade. Acreditem vocês ou não. Meu dever é contar. Os analistas políticos do regime cubano, que são os que mandam na Venezuela, e os assessores brasileiros que a Venezuela paga caríssimo para Cuba e Fidel (são os que conseguiram o embarque de “ajuda humanitária” procedente dos Estados Unidos e estão negociando o fim do conveniente embargo), descobriram que na Venezuela a onda de rumores desatada em razão dos primeiros avanços da enfermidade, deixou o povo e o governo da Venezuela muito loucos.

Enquanto isso e para “prevenir problemas”, Chávez recebeu o mesmo tratamento com células-mater (extraídas de soldados venezuelanos que chegavam a Havana de madrugada e em silêncio total) que em seu tempo Fidel também recebeu (da mesma fonte, certamente). O resto fizeram algumas falsas “fontes”: pessoal de inteligência que posava como enfermeiros, médicos, trabalhadores, esposas de militares de alto grau e delatores (todos de mentira), e revelavam a alguns jornalistas, escolhidos pelo G2, as mesmas “notícias” sobre a suposta gravidade. Estes jornalistas, venezuelanos uns e peças-chave do exílio em Miami, outros, publicaram o que acreditavam ser notícias certas sob a assessoria de um médico supostamente venezuelano que exerce sua profissão em uma cidade da Flórida. Este médico é na realidade um personagem da contra-inteligência cubana e venezuelana que recebeu uma importante quantidade de dólares venezuelanos para contribuir com o rumor do câncer terminal. A propósito deste médico, que voltou a aparecer recentemente, ainda lhe restam algumas declarações para dar, devido a um contrato não escrito, pago a preços muito elevados que mantém com o G2 e os órgãos de Inteligência cubana. Isso foi o que sucedeu. Sim, o presidente da Venezuela esteve um pouco doente, passou seu susto mas está 100% recuperado e nada do que dizem é correto.

Aqui faço um parênteses para um comentário: lembro, perfeitamente bem, que ao final das doses de quimioterapia Chávez afirmou que estava 100% curado e, de fato, seu aspecto e disposição demonstravam que ele estava bem, não parecia uma pessoa com câncer e muito menos em estágio terminal como se propagava. Depois, nunca mais ele voltou a dizer que estava curado nem falou da doença. Com relação aos jornalistas, lembro que o renomado Nelson Bocaranda, em seu “Run Runes”, sempre afirmou ter um “contato médico” em Cuba que lhe informava - secretamente e sob riscos - sobre a “real situação” de Chávez. 

O que digo é verdade e me consta. Eu estou dentro do CIMEQ e lá dentro tudo se sabe e tudo se repete. Vocês não imaginam o que é isso. Para que se fez todo esse complô? Muito simples: Chávez e Fidel necessitavam de tempo para negociar três dos grandes acordos de cooperação que se porão em prática quando Chávez ganhar as eleições. Foi uma negociação dura, na qual Chávez tinha coisas a perder e Fidel tinha exigências muito difíceis de cumprir, inclusive para Chávez e Nicolás Maduro, verdadeiro homem de Chávez e delfim do comandante de Havana.

Esses três acordos são: 

1. A dupla nacionalidade de cubanos e venezuelanos. Segundo parece (não posso dizê-lo com segurança), um dos fundamentos da cooperação cubana-venezuelana é a dupla nacionalidade, não só dos habitantes de ambos os países, senão de seus bens e de seus recursos. Embora se poderia ver como Cuba se converterá em uma colônia venezuelana, a verdade é que é o contrário, pois quem impõe condições é Cuba e o Governo venezuelano as acata. Os venezuelanos poderão viajar a Cuba sem passaporte e vice-versa, e o mais importante: os cubanos poderão ir e vir entre Caracas e Havana com mais liberdade do que entre Cienfuegos e Havana. Do mesmo modo, o dinheiro e os bens da Venezuela terão a mesma sorte. Afinar os detalhes dessa perigosa conflagração foi o que demorou o anúncio, aqui em Cuba, das reformas às pesadas leis de imigração que regem há mil anos.

2. O orçamento comum: fiel ao anterior, Cuba e Venezuela discutem a possibilidade de estabelecer uma moeda única, (com o CUC como exemplo) e isso foi uma super trave. A idéia é que a economia de um país seja espelho da outra e alguns assessores venezuelanos desaconselharam isso, pois acreditam que a economia venezuelana é mais forte e poderia ver-se afetada. Fidel não transige e ofereceu retirar seu apoio irrestrito a Chávez, que está tão apaixonado por Fidel que está a ponto de dar as ordem necessárias para que com os aspectos econômicos se proceda a formalização de uma só pátria, espécie de CubaZuela.

3. A reforma migratória venezuelana: é um ponto gélido, pois alguns assessores venezuelanos (pouquíssimos, pois é um plano bastante bem guardado) se opõem. Consiste em repetir as proibições que todos os cubanos têm para sair do país desde há mais de 40 anos, com o objetivo de dizimar a oposição e as classes mais poderosas, primeiras a ir-se do país, no caso em que uma medida deste tipo se imponha e, além disso, dar passagem livre aos negócios do narco-tráfico entre ambos os países, pois se reduziria quase à sua mínima expressão o tráfego aéreo em Caracas e isso facilitaria muito os embarques de droga. A idéia é que, com exceção de Cuba como destino, os venezuelanos residentes na Venezuela não possam ter um passaporte em seu nome e não possam viajar a nenhum destino, a menos que um gabinete especial do Governo os autorize.

Um assunto que quase esqueço: com a dupla nacionalidade os cubanos, 10 milhões de pessoas, poderiam votar na Venezuela. Lembram-se dos 10 milhões de vantagem?

Aí lhes deixo essa informação. São cabos atados em dias de trabalho no CIMEQ e que chegaram até mim ou por ter escutado alguns comentários isolados da boca dos protagonistas, ou porque alguém de nosso grupo de limpadores e enfermeiros comentava, enquanto o Comandante Chávez esteve descansando e trabalhando várias proposições deste tipo com Fidel e mais ninguém. As fotos dele passeando com suas filhas e tudo isso eram montagens cuidadosas. Na realidade, as filhas estavam em outro lugar (uma luxuosa casa de protocolo) levando a grande vida, e vinham ao hospital quando havia oportunidade ou necessidade de foto.

Suponho que se descobrirá. É a mentira mais infame e a ação mais maligna que governante algum tenha jamais posto em prática. E o fez (me consta) guiado por Fidel Castro (a única pessoa a quem Chávez ouve e obedece). O que Castro quer é o dinheiro da Venezuela. O que Chávez quer é uma espécie de Império Caribenho com ele como imperador. Chávez está doente, sim. Mas da cabeça. De megalomania e de poder. Todo o resto, leia-se: o câncer terminal, a irreversibilidade de suas doenças e as intensas dores são mentira. Uma mentira infame muito bem montada pelos incrivelmente bem desenvolvidos, bem pagos e bem substanciados aparatos de inteligência do poder cubano.

Rogo-lhes difundir este e-mail e ter cuidado. Haverá sinais que afirmem o que digo aqui. H.L.A.

Deus abençoe a Venezuela!"

Aí está um relato absolutamente plausível e convincente. Lembro que, logo que surgiram os primeiros boatos do câncer de Chávez e depois a confirmação feita publicamente por ele mesmo, muita gente não acreditou e pensou que se tratava de mais um golpe tramado desde Cuba. O primeiro a levantar essa suspeita foi o jornalista venezuelano Rafael Poleo e eu também pensei o mesmo, considerando a máxima da “combinação de todas as formas de luta”, empregada largamente por todos os regimes comunistas. A mentira, para esta gente, é mercadoria de valor utilitário que é usada sempre e quando “a causa” necessitar, mesmo que se invente uma doença dessa gravidade. Vamos ver se se confirmam essas denúncias tão atrozes mas, espero em Deus, que no dia 7 de outubro este delinqüente seja desmascarado e banido definitivamente do governo da Venezuela e passe o resto de seus malditos dias na prisão, que é lugar de malfeitores, pagando por todos os seus abomináveis crimes.


Tradução e comentários: G. Salgueiro http://notalatina.blogspot.com.br/

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A engenharia da desordem


Na confusão geral das consciências, toda discussão racional se torna impossível e então, naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o centro decisório se desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos.


Todo mundo sabe que a base eleitoral do ex-presidente Lula, bem como a da sua sucessora, está nas filas de beneficiários das verbas do Fome Zero. Embora a origem do programa remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe conseguiu fundi-lo de tal maneira à imagem da sua pessoa, que a multidão dos recebedores teme que votar contra ele seja matar a galinha dos ovos de ouro.

No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.

O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco compulsivo, um servidor devoto do "Padim", um profissional do beija-mão.

O político que faz carreira baseado nesse tipo de programa é, com toda a evidência, um corruptor em larga escala, que vive da deterioração da moralidade popular. É impossível que o crescimento do Fome Zero não tenha nada a ver com o da criminalidade, do consumo de drogas e dos casos de depressão. Transforme os pobres em mendigos remediados e em poucos anos você terá criado uma massa de pequenos aproveitadores cínicos, empenhados em eternizar a condição de dependência e extrair dela proveitos miúdos, mas crescentes, fazendo do próprio aviltamento um meio de vida.

O assistencialismo estatal vicioso não foi, porém, o único meio usado pela elite petista para reduzir a sociedade brasileira a um estado de incerteza moral e de anomia.

Na mesma medida em que se absteve de criar empregos, o sr. Lula também se esquivou de dar aos pobres qualquer rudimento de educação, por mais mínimo que fosse, para lhes garantir a longo prazo uma vida mais dotada de sentido. Durante seus dois mandatos o sistema educacional brasileiro tornou-se um dos piores do universo, uma fábrica de analfabetos e delinquentes como nunca se viu no mundo. 

Ao mesmo tempo, o governo forçava a implantação de novos modelos de conduta – abortismo, gayzismo, racialismo, ecolatria, laicismo à outrance etc. –, sabendo perfeitamente que a quebra repentina dos padrões de moralidade tradicionais produz aquele estado de perplexidade e desorientação, aquela dissolução dos laços de solidariedade social, que desemboca no indiferentismo moral, no individualismo egoísta e na criminalidade. 

Por fim, à dissolução da capacidade de julgamento moral seguiu-se a da ordem jurídica: o novo projeto de Código Penal, invertendo a escala de gravidade dos crimes, consagrando o aborto como direito incondicional, facilitando a prática da pedofilia, descriminalizando criminosos e criminalizando cidadãos honestos por dá cá aquela-palha, choca de tal modo os hábitos e valores da população, que equivale a um convite aberto à insolência e ao desrespeito.

Só o observador morbidamente ingênuo poderá enxergar nesses fenômenos um conjunto de erros e fracassos. Seria preciso uma constelação miraculosa de puras coincidências para que, sistematicamente, todos os erros e fracassos levassem sempre ao sucesso cada vez maior dos seus autores.

Tudo isso parece loucura, mas é loucura premeditada, racional. É uma obra de engenharia. Se há uma obviedade jamais desmentida pela experiência, é esta: a desorganização sistemática da sociedade é o modo mais fácil e rápido de elevar uma elite militante ao poder absoluto. Para isso não é preciso nem mesmo suspender as garantias jurídicas formais, implantar uma "ditadura" às claras. Já faz muitas décadas que a sociologia e a ciência política compreenderam esse processo nos seus últimos detalhes. 

Leiam, por exemplo, o clássico estudo de Karl Mannheim, A estratégia do grupo nazista (no volume Diagnóstico do Nosso Tempo, ed. Zahar). A fórmula é bem simples: na confusão geral das consciências, toda discussão racional se torna impossível e então, naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o centro decisório se desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos, aos quais o próprio povo, atônito e inseguro, recorrerá como aos símbolos derradeiros da autoridade e da ordem no meio do caos. Isso já está acontecendo. 

A ascensão dos partidos de esquerda à condição de dominadores exclusivos do panorama político, praticamente sem oposição, nunca teria sido possível sem o longo trabalho de destruição da ordem na sociedade e nas almas. Mas também não teria sido possível se o caos fosse completo. O caos completo só convém a anarquistas de porão, marginais e oprimidos. Quando a revolução vem de cima, é essencial que alguns setores da vida social, indispensáveis à manutenção do poder de governo, sejam preservados no meio da demolição geral. 

Os campos escolhidos para permanecer sob o domínio da razão foram, compreensivelmente, a Receita Federal, o Ministério da Defesa e a economia. A primeira, a mais indispensável de todas, porque não se faz uma revolução sem dinheiro, e ninguém jamais chegará a dominar o Estado por dentro se não consegue fazer com que ele próprio financie a operação. A administração relativamente sensata dos outros dois campos anestesiou e neutralizou preventivamente, com eficiência inegável, as duas classes sociais de onde poderia provir alguma resistência ao regime, como se viu em 1964: os militares e os empresários. Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.

Escrito por Olavo de Carvalho e publicado no Diário do Comércio


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Por que Robespierre escolheu o Terror.




As lições da primeira revolução totalitária (1).

As pessoas não devem manter crenças que levam a ações monstruosas. É o mínimo que se deve dizer em resposta a qualquer esforço para desculpar Robespierre. Se a sua ideologia o levou ao genocídio, ele não deveria tê-la seguido.


A atitude americana em relação à Revolução Francesa foi em geral favorável – muito natural para uma nação nascida ela própria de uma revolução. Mas há revoluções e revoluções, e a Revolução Francesa está entre as piores. Sim, em nome da liberdade, igualdade e fraternidade, ela derrubou um regime corrupto. Mas o resultado desses belos ideais foram, primeiro, o Terror e o genocídio na França e, depois, Napoleão e suas guerras, que custaram centenas de milhares de vidas na Europa e na Rússia. Depois deste massacre inútil veio a restauração do mesmo regime corrupto que a Revolução derrubara. Além de um imenso sofrimento, a revolta nada conseguiu.

Liderando a traição aos ideais iniciais da Revolução e sua transformação em uma tirania de ideologia homicida estava Maximilien Robespierre, um monstro que criou um sistema explicitamente feito para matar milhares de inocentes. Ele sabia exatamente o que estava fazendo, ele fez o que pretendia fazer, e ele acreditava estar certo em fazer o que fez. Ele é o protótipo de um particularmente odioso tipo de malfeitor: o ideólogo que acredita que a razão e a moralidade estão do lado de seus açougueiros. Lenin, Stalin, Hitler, Mao e Pol Pot foram feito do mesmo molde. Eles são os típicos inimigos da humanidade em tempos modernos, mas Robespierre tem boas razões para alegar ter sido o primeiro. Compreender suas motivações e raciocínio aprofunda nossa compreensão dos piores horrores do passado recente e aqueles que podem nos espreitar no futuro.

Historiadores distinguem três fases da Revolução Francesa. A última, o Terror, aconteceu aproximadamente em 1793-94. Começou com a queda dos girondinos moderados e adesão dos jacobinos radicais de poder. Como os jacobinos ganharam o controle do Comitê de Salvação Pública, o qual por sua vez controlava o legislativo (a Convenção), as disputas entre as facções se aguçaram. Depois de um interregno de poder compartilhado, Robespierre tornou-se ditador e o Terror se agravou. Ele tomou a forma de prisões, julgamentos farsescos e a execução de milhares de pessoas, incluindo os líderes dos girondinos e os jacobinos de facções opostas que eram suspeitos de oposição – ativa ou passivamente, real ou potencialmente – às políticas ditadas por Robespierre.

Os partidários de Robespierre fora da Convenção era uma multidão a vagar pelas ruas de Paris, o centro da Revolução. Grandes partes de França foram escassamente envolvidas, para a maioria das pessoas, a vida continuou como antes da Revolução. A multidão em Paris era composta principalmente de marginais sans-culottes (“sem calções”), que se mantinham por uma mistura de crime, prostituição, mendicância e biscates. Robespierre e seus seguidores os incitavam a ação sempre que a conveniência política exigia isso. Mas mesmo sem incitações, e sem nada melhor para fazer, eles formavam a multidão que assistia as execuções públicas, escarnecendo e abusando daqueles prestes a morrer, alegrando-se com as cabeças decepadas, adulando os líderes temporariamente no poder, e os amaldiçoando quando eles caiam. Como moscas, eles estavam em todo lugar que a Revolução seguia em seu caminho sangrento. Seu enfurecido, ansioso zumbido formava o fundo medonho da matança dos inocentes.

Nós não devemos permitir que distância histórica e retórica revolucionária torne obscura a selvageria do Terror. As descrições que se seguem são apenas umas poucas entre muitas que poderiam ser dadas. Stanley Loomis escreve em “Paris in the Terror” que, nos Massacres de Setembro de 1792, “o trabalho sangrento durou cinco (...) dias e noites. Na manhã do terceiro dia, a prisão de La Force foi invadida e aqui ocorreu o assassinato da Princesa de Lamballe (...). O frenesi dos assassinos loucos e bêbados parece ter atingido seu ponto máximo em La Force. Canibalismo, estripação e atos de ferocidade indescritível aconteceram aqui. A princesa (...) se recusou a jurar que odiava o Rei e a Rainha e foi devidamente entregue à multidão. Ela foi executada com um golpe de lança, seu coração ainda batendo foi arrancado do corpo e devorado, suas pernas e braços foram cortados de seu corpo e disparados por um canhão. Os horrores que foram cometidos em seu torso estripado são indescritíveis (...). Tem se suposto levianamente (...) que a maioria das outras vítimas eram, como ela, aristocratas – uma suposição que, por algum motivo curioso, é freqüentemente considerada um atenuante para esses crimes. Muito poucas vítimas foram, na verdade, da antiga nobreza, menos de trinta das mil e quinhentas que foram mortas.”

O que Robespierre tinha liberado foram os mais depravados impulsos de escória da sociedade. A anarquia resultante temporariamente serviu a seu propósito, assim como a Kristallnacht serviu ao de Hitler, os expurgos ao de Stalin, e a revolução cultural ao de Mao. Cada um perpetrou o terror para reduzir os oponentes a uma submissão abjeta e estabelecer-se mais firmemente no poder.

Tendo assegurado Paris, em 1793, Robespierre nomeou comissários para impor sua interpretação da Revolução fora da capital. Na cidade de Lyon, escreve Simon Schama em “Cidadãos”, a guilhotina começou seu trabalho, mas verificou-se ser “uma maneira confusa e inconveniente de eliminação do lixo político (...). Alguns condenados, então, foram executados em fuzilamentos em massa.... Cerca de 60 prisioneiros foram amarrados em uma linha por cordas e fuzilados com canhão. Aqueles que não morreram imediatamente pelo fogo foram mortos com sabres, baionetas e rifles (...). Quando os assassinatos (...) terminaram, mil novecentas e cinco pessoas haviam encontrado o seu fim.” O comissário de Nantes “complementaria a guilhotina com (...) deportações verticais (...). Buracos foram perfurados nos lados das (...) barcaças (...). Os prisioneiros eram postos dentro com as mãos e pés amarrados e os barcos empurrados para o centro do rio (...). As vítimas impotentes assistiam a ascensão de água sobre eles (...). Os presos foram despojados de suas roupas e pertences (...). Moços e moças foram amarrados juntos nus nos barcos. As estimativas das pessoas que morreram desta forma variam muito, mas certamente não foram menos que dois mil.”

No massacre da Vendeia, segundo Schama, “toda atrocidade que se poderia imaginar naquele tempo foi infligida a população indefesa. Mulheres foram rotineiramente estrupadas, crianças assassinadas, ambas mutiladas (...). Em Gonnord (...) duzentos velhos e velhas, juntamente com mães e crianças, foram forçadas a se ajoelhar diante de um grande poço que eles tinham cavado. Eles foram então fuzilados de modo a cair em seu próprio túmulo. Trinta crianças e duas mulheres foram enterradas vivas quando a terra foi jogada no buraco. Em Paris, Loomis escreve, Robespierre ordenou à corte de farsantes [2], também conhecida como Tribunal Revolucionário, ser “tão ativa quando o próprio crime e concluir todos os casos dentro de vinte e quatro horas”. “As vítimas eram conduzidas para a sala de audiência pela manhã e, não importando quantas poderiam ser, seu destino estava decidido no máximo até as duas horas da tarde do mesmo dia. Por volta das três horas seus cabelos eram cortados, suas mãos amarradas e elas eram postas nos carros dos condenados em seu caminho para o cadafalso”. “Entre 10 de junho e 27 de julho de 1793 (...) 1.366 vítimas pereceram”. A maioria dessas pessoas eram inocentes de qualquer crime e não podiam se defender contra acusações das quais elas sequer eram informadas.

Essas atrocidades não foram infelizes excessos indesejáveis de Robespierre e seus partidários, mas as previsíveis conseqüências de uma ideologia que dividia o mundo entre os “amigos” e os subumanos “inimigos”. A ideologia era o repositório da verdade e do bem, a chave para a felicidade da humanidade. Seus inimigos tinham que ser exterminados sem piedade porque eles estavam no caminho. Como os ideólogos viam, o futuro da humanidade era uma aposta alta o bastante para justificar qualquer ato que servisse a seu propósito. Como Loomis escreveu, “Todos os que desempenharam um papel nesse drama (…) acreditavam que estavam motivados por patrióticos e altruístas impulsos. Foram capazes de valorizar mais as suas boas intenções que a vida humana. Não há crime, nem assassinato, nem massacre que não possa ser justificado, se provado que foi cometido em nome de um ideal”.

O ideal, no entanto, era simplesmente o que Robespierre dizia que era. E a lei era o que Robespierre e seus seguidores desejavam que fosse. Eles mudavam isso a seu bel-prazer e determinavam se sua aplicação num caso particular era justa. A justificação de monstruosas ações apelando a um ideal passionalmente conduzido, elevado a protótipo de razão e moralidade, é uma marcante característica de ideologias políticas no poder. Para os comunistas, era uma sociedade sem classes. Para os nazistas, pureza racial. Para os terroristas islâmicos, sua interpretação do Corão. A característica comum é que o ideal, de acordo com seus verdadeiros crentes, é imune à crítica racional ou moral, porque ele é o que determina o que é razoável e moral.

Norman Hampson nota em sua biografia de Robespierre que “o tribunal revolucionário (...) tinha-se tornado uma máquina de assassinato indiscriminado. (...) Imaginárias (...) conspirações e acusações absurdas eram acontecimentos cotidianos”. Como Robespierre deixou claro: “Deixe-nos reconhecer que há uma conspiração contra a liberdade pública (...). Qual é o remédio? Punir os traidores.” Hampson escreve: “Robespierre tomou a atitude que a clemência (...) era uma forma de auto-indulgência sentimental que teria de ser paga em sangue”. Ele declarou: “Existem apenas dois partidos na França: o povo e seus inimigos. Temos que exterminar esses vilões miseráveis que estão eternamente conspirando contra os direitos do homem (...), temos que exterminar todos os nossos inimigos.”

Robespierre, conta Schama, “se rejubilou que ‘um rio de sangue agora separa a França de seus inimigos’.”

O resultado desse clima de histeria foi o Decreto de Robespierre do dia 22 de Prairial. Ele “expressava, em princípio, a opinião de todo o Comitê [de Salvação Pública]”, escreve J. M. Thompson em sua biografia de Robespierre. “O Comitê era fanático o suficiente para aprovar, e a Convenção poderosa o suficiente para impor, como um Novo Modelo da justiça republicana (...) uma lei que negava aos presos com a ajuda de um advogado, tornava possível ao juiz dispensar testemunhas, e não permitia qualquer sentença além da absolvição ou a execução. Uma lei que, ao mesmo tempo, definia crimes contra o Estado em termos tão amplos que a menor indiscrição alguém poderia incorrer no artigo de morte. Para qualquer homem sensato ou misericordioso tal procedimento deve parecer uma paródia de justiça.”

Fortalecido por este modelo republicano de justiça, o Tribunal Revolucionário enviou à morte 1.258 pessoas em nove semanas, tantos como durante os 14 meses precedentes. “O fato inescapável” sobre Robespierre, nota Hampson, é que “no âmbito de um sistema judicial que ele iniciou e ajudou a dirigir (...) um governo do qual ele era, talvez, o membro mais influente, perpetrou as piores barbaridades do Terror (...). Nenhuma defesa é possível para os indiscriminados massacres (...) em que (...) uma taxa média de trinta e seis pessoas por dia foram enviados para a guilhotina.”

Robespierre “tornou-se tão incapaz de distinguir o certo do errado – para não mencionar crueldade de humanidade – como um cego de distinguir a noite do dia.” Vamos agora tentar entender o seu estado de espírito.

Robespierre nasceu em 1758 na cidade de Arras. Seu pai era um advogado sem sucesso. Sua mãe, filha de um fabricante de cerveja, morreu de parto quando Robespierre tinha seis anos. Poucos meses depois da morte dela, o pai abandonou seus quatro filhos pequenos. Robespierre e seu irmão foram viver com os avós maternos. Aos 11 anos, o que não era uma idade incomum naqueles dias, Robespierre ganhou uma bolsa para a Universidade de Paris. Depois de dez anos lá, ele obteve uma licenciatura em Direito, voltou a Arras e começou a praticar a lei. No começo de 1789 ele ganhou uma eleição para representar o Terceiro Estado de Arras na Convenção. Começando como um democrata radical, tornou-se, com o desenvolvimento da revolução, mais e mais radical.

Robespierre nunca se casou. Não são conhecidos seus casos amorosos. Ele também não tinha qualquer interesse em sexo, dinheiro, culinária, artes, natureza, ou realmente qualquer coisa além de política. Ele tinha cerca de cinco pés e três polegadas de altura, com uma constituição leve, uma pequena cabeça sobre os ombros largos e cabelos castanhos claro. Ele tinha “espasmos nervosos que, ocasionalmente, torcia seu pescoço e ombros e exibia, ao apertar suas mãos, movimentos característicos e piscadelas de suas pálpebras”, diz Thompson. Vestia-se elegantemente e usava óculos “que ele tinha o hábito de empurrar para cima na testa (…) quando queria olhar alguém no rosto”. “Sua expressão habitual parecia melancolia a seus amigos e arrogância a seus inimigos. Às vezes ele ria com a imoderação de um homem com pouco senso de humor, às vezes o olhar frio se abrandava em um sorriso de doçura irônico e bastante alarmante.” Com sua voz estridente e áspero “seu poder como um orador (...) residia menos em como ele se apresentava e mais na seriedade do que ele tinha a dizer, e na profunda convicção com que ele dizia.”

Robespierre não fez segredo de suas convicções. Ele as expressou em vários discursos cruciais, cujas cópias, escritas por ele mesmo, sobreviveram. Em seu discurso de agosto 1792, Robespierre disse que a França estava vivendo um dos grandes acontecimentos da história humana. Depois de um período inicial de hesitações, a Revolução de 1789 transformou-se em agosto de 1792 “a melhor revolução que já honrou a humanidade, realmente a única com um objetivo digno do homem: basear as sociedades políticas no mínimo sobre os princípios imortais de igualdade, justiça e razão.” A Revolução era a melhor de todas porque, pela primeira vez na história, “a arte de governar” não visava “enganar e corromper o homem”, mas sim “iluminá-los e aperfeiçoá-los”. A tarefa da Revolução era “estabelecer a felicidade de, talvez, toda a raça humana”. “O povo francês parece ter-se distanciado do resto da raça humana por dois mil anos.”

Mas um sério obstáculo barrava o caminho. “Dois espíritos opostos (...) [estão] em contenda pelo domínio (...) [e] o disputam nesta grande época da história humana, para determinar para sempre os destinos do mundo. A França é o teatro deste combate terrível”. Os conflitos entre os amigos e os inimigos da Revolução “são meramente a luta entre interesses privados e o interesse geral, entre egoísmo e ambição de um lado e justiça e humanidade do outro”. Todas as escolhas políticas de então, conseqüentemente, eram escolhas entre o bem e o mal, permitindo a Robespierre demonizar seus oponentes.

Note que ao declarar como objetivo de criar uma sociedade onde “os princípios imortais de igualdade, justiça e razão” prevaleceriam, Robespierre simplesmente descartou a liberdade e a fraternidade, substituindo o que ele considerava como a justiça e a razão. A justificação dos massacres foi que os mortos eram inimigos da república, contra-revolucionários que tinham conspirado contra a igualdade, a justiça e a razão cuja realização “estabeleceriam a felicidade de, talvez, toda a raça humana.” O eixo sobre o qual tudo girava eram aqueles princípios de igualdade, justiça e razão, que Robespierre enunciou em uma declaração que formou a base da Constituição de 1793. Alguns trechos: “Artigo 1. O objeto de toda associação política é a salvaguarda dos direitos naturais e imprescritíveis do homem.” “Artigo 3. (...) direitos pertencem igualmente a todos os homens, independentemente das suas diferenças físicas e morais.” “Artigo 4. Liberdade é o direito de cada homem exercer todas as suas faculdades à vontade. Sua regra é a justiça, seus limites são os direitos dos outros, a sua origem é a natureza, sua garantia é a lei.” “Artigo 6. Qualquer lei que viola os direitos imprescritíveis do homem é essencialmente injusta e tirânica.”

Como Robespierre realmente interpretou esses princípios? Ele dizia: “[Nós] devemos exterminar todos os nossos inimigos com a lei em nossas mãos”, “a Declaração dos Direitos não oferece salvaguarda para conspiradores”, “as suspeitas do patriotismo esclarecido pode oferecer um guia melhor do que as regras formais de prova”. Comentando sobre uma execução, ele disse: “Mesmo se ele era inocente, ele tinha que ser condenado se sua morte pudesse ser útil”. Em uma carta orientando o Tribunal Revolucionário, ele escreveu: “As pessoas estão sempre dizendo a juízes para tomar cuidado e salvar os inocentes, eu digo a eles (...) para evitar salvar o culpado.”

Collot, o comissário oficial que ele nomeou pessoalmente para supervisionar os massacres, expressou sucintamente uma interpretação similar dos princípios consagrados na Declaração: “Os direitos do homem não são feitos para contra-revolucionários, mas apenas para sans-culottes”.

Saint-Just, o mais próximo aliado de Robespierre, disse: “A república consiste no extermínio de tudo que se opõe a ela”.

A discrepância entre a Declaração, que fornecia a base de uma garantia constitucional de direitos iguais para todos os cidadãos, e a política ditada de fato por Robespierre e imposta por seus seguidores era tão flagrante que exigia uma explicação. Robespierre providenciou uma num discurso e, dezembro de 1793.

“O objetivo de um regime revolucionário é fundar uma república, o de um regime constitucional sustentá-la. O primeiro convém a um tempo de guerra entre a liberdade e seus inimigos. O segundo é mais apropriado a quando a liberdade for vitoriosa e em paz com o mundo” O regime vigente na França era revolucionário, argumentou, em lutar para se tornar constitucional. Mas inimigos internos ameaçavam o êxito desta luta. “Sob um regime constitucional”, ele continuou, “pouco é necessário, exceto para proteger o cidadão contra o abuso de poder por parte do governo. Mas sob um regime revolucionário o governo tem de se defender contra todas as facções que o atacassem e, nessa luta pela vida, somente bons cidadãos merecem proteção pública e a punição dos inimigos do povo é a morte”. O regime revolucionário “deve ser tão terrível para o mal como é favorável ao bem.”

Não havia, portanto, nenhuma inconsistência entre a Declaração e o Terror. “A Declaração dos Direitos não oferece nenhuma salvaguarda para conspiradores que há tempos tentam destruí-la.” A Declaração guiava o regime constitucional, cujo estabelecimento era o objetivo final. O Terror era apenas o meio para ele, uma necessidade imposta ao regime revolucionário por inimigos que impediam a realização do regime constitucional.

Esta obra prima de sofisma era, então, uma novidade, mas para aqueles que contemplam o século XX é tristemente familiar pelo uso que muitos regimes assassinos fizeram dela. Todos eles afirmaram que seu objetivo era a felicidade humana, mas que inimigos incorrigivelmente iníquos, disfarçando sua verdadeira natureza e conspirando contra o mais nobre dos objetivos, ameaçavam a sua realização. A suposta ameaça era muito grave, e o objetivo muito importante, a ponto de justificar extremas, ainda que temporárias, medidas – para identificar os inimigos, desmascarar suas conspirações e exterminá-los. Para um punhado de heróis clarividentes e corajosos da revolução – como a KGB, a SS, e a Guarda Vermelha – cabe o dever de executar estas tarefas necessárias. Eles devem endurecer o coração e fazer o que precisa ser feito no interesse do bem maior. Uma vez evitada a grave ameaça, as medidas extremas não serão mais necessárias, e a felicidade humana estará ao alcance de todos.

Uma característica notável dessa atitude mental é que aqueles sob sua influência acreditam de fato nestas justificativas para arrancar entranhas, linchar, mutilar, enterrar vivas, afogar e dilacerar suas vítimas infelizes. Na verdade, as atrocidades apenas reforçam a segurança absoluta com as quais os ideólogos abraçam suas convicções e impõem seus objetivos.

Uma ideologia é uma visão de mundo que explica as condições políticas predominantes e sugere formas de melhorá-las. Ideologias típicas incluem entre seus elementos uma visão metafísica que fornece uma visão transcendental do mundo, uma teoria sobre a natureza humana, um sistema de valores cuja realização supostamente garantirá a felicidade humana, uma explicação de por que a atual conjuntura está longe da perfeição, e um conjunto de políticas destinadas a diminuir a diferença entre o real e o ideal. Este último componente – compromisso com um programa político e sua implementação – é o que distingue ideologias de sistemas religiosos, pessoais, estéticos, ou filosóficos de crença. As ideologias visam transformar a sociedade. Outros sistemas de crenças não envolvem tal compromisso. Se envolverem, se tornam ideológicos.

Ao longo da história, muitas ideologias diferentes e incompatíveis têm prevalecido, e todas foram e são essencialmente interpretações especulativas que vão além de fatos inegáveis e verdades simples. Se baseando em hipóteses duvidosas sobre questões que transcendem o estágio atual do conhecimento, elas são particularmente propensas a um processo mental auto-ilusório, impaciente, muito esperançoso ou egocêntrico – a vôos descontrolados de fantasia e imaginação. As pessoas razoáveis, portanto, consideram as ideologias, incluindo a própria, com ceticismo saudável e exige delas conformidade com as normas elementares de razão: consistência lógica, uma explicação para fatos indiscutíveis e relevantes, a capacidade de resposta a novas provas e crítica séria, e o reconhecimento de que o sucesso ou fracasso de políticas derivadas delas serve como confirmação ou não das provas.

A fonte das convicções mais profundas de Robespierre e de sua certeza sobre elas era seu compromisso inquestionável com uma ideologia que ele tinha aprendido principalmente com Rousseau, a quem considerava “o tutor da raça humana.” Essa ideologia levou-o a acreditar que a política é uma aplicação da moralidade e que um bom governo é baseado em princípios morais que inevitavelmente levam os interesses dos indivíduos a se tornarem indistinguíveis do interesse geral. Dito de outra forma, os seres humanos não corrompidos intuitivamente reconhecem e agem no interesse geral. Qualquer divergência entre o interesse individual e o interesse geral indica a imoralidade e irracionalidade do indivíduo. Se qualquer indivíduo fracassa em ver que seus verdadeiros interesses são iguais ao interesse geral, ele deve ser forçado a agir como se tivesse visto, para seu próprio bem.

Mas quem são esses seres humanos não corrompidos que sabem o que é do interesse geral? Robespierre responde: “Existem almas puras e sensíveis. Existe uma suave, mas imperiosa e irresistível, paixão... um profundo horror da tirania, um zelo compassivo pelo oprimido, um amor sagrado por sua pátria, e um amor ainda mais sagrado e sublime pela humanidade, sem a qual uma grande revolução não é mais do que a destruição de um crime menor por um maior. Existe uma ambição generosa para fundar na terra a primeira república do mundo... Vocês podem sentir isso, neste momento, queimando em seus corações, eu posso sentir isso no meu próprio”. A mensagem clara quando a retórica bombástica é esvaziada é que, desde que as pessoas têm sido corrompidas, elas não podem ser confiáveis para saber o que é bom para elas, mas ele, Robespierre, sabe, porque ele é incorruptível.

Se ele ficado apenas nisso, sua crença em sua própria pureza não seria mais do que uma loucura atrevida de um megalomaníaco. Mas ele não ficou apenas nisso. Ele se considerou no dever de coagir a população corrompida a viver de acordo com o que ele em sua pureza considerava como virtude. Ele dizia: “Os inimigos da República são covardemente egoístas, ambiciosos e corruptos. Vocês têm expulsado os reis, mas vocês têm expulsado os vícios que a dominação fatal deles criou dentro de vocês?” Robespierre se convenceu – e coagiu os outros a acreditar ou a fingir acreditar – que sua vontade era a vontade geral, a vontade que todos agissem como se todos fossem tão puros como ele. Quando ele encontrou oposição, ele sabia com certeza absoluta que seus adversários eram ou corrompidos e tinham que ser exterminados pelo bem comum, ou ignorantes e tinham que ser coagidos para seu próprio bem a agir como se fossem tão puros e virtuosos quanto ele. A base da ideologia de Robespierre não era a razão e sim a paixão, que se tornou sua pedra de toque da razão e da moralidade. Ele não perguntou se ele deveria alimentar essa paixão, se a paixão era uma reação adequada aos fatos, se a paixão era muito forte, ou se ele deveria ser guiado por ela. O objetivo de sua política era adaptar o mundo a sua paixão, e não vice-versa. O resultado foi que se tornou cego às necessidades reais da razão e da moralidade e decretou o assassinato de milhares simplesmente por suspeitar que eles pudessem discordar de suas opiniões passionais. Enquanto tudo isso acontecia, ele hipocritamente proclamava que suas ações cruéis eram virtuosas e que ele era o campeão da razão e da moralidade.

Talvez possa ser dito, numa tentativa desajeitada de defender Robespierre, que ele sinceramente acreditava em sua ideologia e agia de boa fé. As pessoas não podem fazer mais que isso. É claro que, se essa desculpa fosse válida, serviria também para guardas da SS em campos de concentração, se eles fossem nazistas sinceros. Ou torturadores da KGB, desde que fossem comunistas dedicados. Ou terroristas islâmicos, se eles forem verdadeiros fanáticos. Mas as crenças reprováveis dos ideólogos aumentam ao invés de enfraquecer a responsabilidade por suas ações. As pessoas não devem manter crenças que levam a ações monstruosas. É o mínimo que se deve dizer em resposta a qualquer esforço para desculpar Robespierre. Se a sua ideologia o levou ao genocídio, ele não deveria tê-la seguido.

Muitas pessoas, é claro, não escolhem a ideologia que sustentam, mas a adquirem através de doutrinação. Pode ser demais exigir dessas pessoas que resistam à doutrinação, se esta for persistente e sofisticada, e se as pessoas não conhecem alternativas razoáveis. Não ser capaz de resistir à doutrinação ideológica, no entanto, é uma coisa, e cometer atrocidades em seu nome é outra completamente diferente. As pessoas têm uma escolha quando vão torturar ou assassinar. As pessoas decentes vão questionar sua ideologia se perceberem que ela as leva a cometer horrores. E se as pessoas não a questionam e cometem atrocidades, então elas devem ser com justiça consideradas responsáveis não pelo que acreditam, mas pelo que elas fazem.

Robespierre, no entanto, não foi doutrinado. Ele construiu sua ideologia por si mesmo, de suas leituras, educação, e experiências iniciais na política. Como um advogado treinado para garimpar provas e analisar as interpretações dos fatos, ele tinha habilidade para pensar criticamente sobre sua ideologia. Contudo, ele não o fez. Ele é, portanto, responsável pelos assassinatos em massa que causou. E o mesmo vale para os inúmeros comunistas, nazistas, maoístas, ou os terroristas que escolheram suas ideologias em detrimento de alternativas perfeitamente disponíveis, as quais eles não poderiam ignorar.

Mas e todos aqueles que seguiam Robespierre e que não partilhavam nem sua ideologia e nem sua paixão monstruosa? Muitos seguiram porque ele os deixava agir segundo seus piores instintos, os quais eles tinham tido que reprimir quando a lei e a ordem prevaleciam.

Outros – assustados com as mudanças políticas, com o caos generalizado e a insegurança, com o sangue que já tinha sido derramado – imploravam para entender o que estava acontecendo, o que o justificava, e qual era o seu objetivo. Muitas pessoas aceitaram a explicação de Robespierre, mesmo sendo bombástica e implausível, porque qualquer explicação para o que eles viviam era melhor do que nenhuma.

Mas a principal razão por que as pessoas o seguiram foi o medo. Ninguém estava seguro, e as pessoas ficavam ansiosas para provar com palavras e atos que eram leais e entusiasmados partidários. Robespierre exercia seu poder sobre a vida e a morte tão arbitrariamente como Hitler, Stalin e Mao. Arbitrariedade é a chave para o terror: se não há regras, justificativas, ou razões, então todo mundo está em risco. O único jeito de tentar minimizar o risco é superar os outros na adesão à norma. Ditadores entendem isso, o que explica muito das “manifestações espontâneas” e da adulação pública que extraem do povo enganado e apavorado a sua mercê.

Robespierre, que se via como um herói romântico numa luta quase desesperada, tinha sede de poder e era indiferente ao seu custo. Quando ele conseguiu inventar uma ideologia dos destroços de idéias de Rousseau e outros elementos, se agarrou a ela com dedicação fanática, pois essa ideologia o proporcionou não apenas um programa político, mas também com uma justificação da sua busca pelo poder. Quando os membros de seu círculo fechado e anormal cometeram os atos monstruosos do Terror, ele tomou a monstruosidade como prova da pureza de suas motivações e convicções. Robespierre e seus companheiros ideólogos eram os eleitos guiados por paixões para conhecer o bem e o mal, a verdade e a mentira, mesmo que suas ações possam parecer obscenas ou inadmissíveis para os não eleitos.

Embora o nazismo, o comunismo, vários tipos de terrorismo, e os racismos branco, negro ou amarelo demonstrem quão facilmente as ideologias levam a desumanidade, é claro que nem mesmo as ideologias mais irracionais e imorais conduzem necessariamente a genocídios. Ideólogos devem ter a oportunidade de agir de acordo com suas crenças – oportunidades que surgem a partir da combinação de ressentimento profundo e generalizado sobre o fardo que as pessoas devem carregar, um governo fraco ou enfraquecido, e a falta de perspectivas de melhora rápida e substancial. Foi a presença destas condições que permitiu a Robespierre se tornar o monstro que foi.

Condenar Robespierre mais de 200 anos depois de sua morte teria pouco sentido se ele não fosse uma amostra do sistema psíquico ideológico que hoje em dia nos é muito familiar. Se nós o entendermos, entenderemos também que é totalmente inútil apelar à razão e à moralidade quando tivermos que tratar com ideólogos. Pois eles estão convencidos de que a razão e a moralidade estão com eles e que seus inimigos são irracionais e imorais, apenas por serem inimigos. Negociações com essas pessoas só podem ter êxito se tivermos uma força esmagadora do nosso lado e nos mostrarmos determinados a usá-la. Uma justificativa do uso da força para o eleitorado de um país democrático – acostumado a pensar a política como um processo de negociação e de compromisso razoável – deve incluir a exposição com detalhes doentios das monstruosidades cometidas em nome da ideologia. E é por isso que faz sentido nos lembrarmos dos crimes do há muito tempo morto Robespierre.




Notas do tradutor:

[1] O tradutor sugere como leitura complementar desse artigo dois outros, de Olavo de Carvalho: A Mentalidade Revolucionária e Ainda a Mentalidade Revolucionária.

[2] No original a expressão é “Kangaroo court”.




John Kekes é PhD em filosofia pela Australian National University e professor emérito de filosofia da Universidade de Albany.

Tradução: Jorge Nobre, estudante de Letras - Tradução Francês da UnB.


Publicado originalmente na FrontPage Magazine



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O rolo compressor do Projeto Sarney


Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Lei Louca
Em 27 de junho de 2012, uma Comissão de Juristas entregou ao presidente do Senado, José Sarney, o anteprojeto de reforma do Código Penal. Seria de se esperar, que o texto fosse submetido à apreciação da sociedade para receber críticas e sugestões[1]. Isso, porém, não ocorreu. Em 9 de julho de 2012, apenas 11 dias depois, o Senador José Sarney subscreveu o anteprojeto convertendo-o em projeto de lei: o PLS 236/2012. Ao assinar o projeto, Sarney agiu de modo semelhante a Pilatos. Declarou-se, “por uma questão de consciência e religião”, contrário à eutanásia, ao aborto, ao porte de drogas e seu plantio para uso, mas não retirou nada disso do texto que subscreveu. Lavou as mãos, disse que era inocente do sangue de Cristo, mas decretou a sentença injusta. Favoreceu a presidente Dilma que, embora favorável ao aborto, havia prometido na campanha eleitoral não enviar ao Congresso qualquer proposta abortista.

O anteprojeto – agora convertido em projeto – foi muito mais audacioso que o de 1998. Pretendeu reformar não só a parte especial do Código Penal, mas também a parte geral e a imensa legislação penal extravagante. E tudo isso no curto prazo de seis meses![2] O resultado foi um conjunto de 544 artigos cheios de falhas graves.

Animais e pessoas

Segundo a linha ideológica do PLS 236/2012, o ser humano vale menos que os animais. A omissão de socorro a uma pessoa (art. 132) é punida com prisão, de um a seis meses, ou multa. A omissão de socorro a um animal (art. 394) é punida com prisão, de um a quatro anos. Conduzir um veículo sem habilitação, pondo em risco a segurança de pessoas (art. 204) é conduta punida com prisão, de um a dois anos. Transportar um animal em condições inadequadas, pondo em risco sua saúde ou integridade física (art. 392), é conduta punida com prisão, deum a quatro anos. Os ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre não podem ser vendidos, adquiridos, transportados nem guardados, sob pena de prisão, de dois a quatro anos (art. 388, §1º, III). Os embriões humanos, porém, podem ser comercializados, submetidos à engenharia genética ou clonados sem qualquer sanção penal, uma vez que ficam revogados (art. 544) os artigos 24 a 29 de Lei de Biossegurança (Lei 11.101/2005).

Terrorismo e invasão de terras

O terrorismo é criminalizado (art. 239). Mas as condutas descritas (sequestrar, incendiar, saquear, depredar, explodir...) deixam de constituir crime de terrorismo se “movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios” (art. 239, §7º). Os invasores de terra são favorecidos, uma vez que “a simples inversão da posse do bem não caracteriza, por si só, a consumação do delito” (art. 24, parágrafo único).

Prostituição infantil

Atualmente comete estupro de vulnerável quem pratica conjunção carnal com menor de 14 anos (art. 217-A, CP). O projeto baixa a idade: só considera vulnerável a pessoa que tenha “até doze anos”. Isso vale para o estupro de vulnerável (art. 186), manipulação ou introdução de objetos em vulnerável (art. 187) e molestamento sexual de vulnerável (art. 188). Deixa de ser crime manter casa de prostituição (art. 229, CP) ou tirar proveito da prostituição alheia (art. 230, CP). Quanto ao favorecimento da prostituição ou da exploração sexual de vulnerável, a redação é ainda mais assustadora: só será crime se a vítima for “menor de doze anos” (art. 189). Deixa de ser crime, portanto, a exploração sexual de crianças a partir de doze anos.

Drogas

Quanto às drogas, somente o tráfico permanece crime (art. 212). Deixa de ser crime o consumo pessoal de drogas (art. 212, § 2º). Presume-se que a quantidade de droga apreendida destina-se a uso pessoal quando ela é suficiente para o consumo por cinco dias (art. 212, § 4º).

Aborto

Quanto ao aborto, o projeto reduz ainda mais as penas já tão reduzidas. O aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, atualmente punido com detenção de um a três anos, passa a ter pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 125). O terceiro que provoca aborto com o consentimento da gestante, atualmente punido com reclusão de um a quatro anos, passa a sofrer pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 126). Se o aborto for provocado sem o consentimento da gestante, o terceiro é punido com prisão, de quatro a dez anos (art. 127). Curiosamente, ele recebe um aumento de pena de um a dois terços se, “em consequência do aborto ou da tentativa de aborto, resultar má formação do feto sobrevivente” (art. 127,§1º). Esse parágrafo parece ter sido incluído para estimular o aborteiro a fazer abortos “bem feitos”, evitando que, por “descuido”, ele deixe a criança com vida e má formada.

As maiores mudanças, porém, estão no artigo 128. Ele deixa de começar por “não se pune o aborto” e passa a começar por “não há crime de aborto”. O que hoje são hipóteses de não aplicação da pena (escusas absolutórias) passa a ser hipóteses de exclusão do crime. E a lista é tremendamente alargada. Basta que haja risco à “saúde” (e não apenas à “vida”) da gestante (inciso I), que haja “violação da dignidade sexual” (inciso II), que a criança sofra anomalia grave, incluindo a anencefalia (inciso III) ou simplesmente que haja vontade da gestante de abortar (inciso IV). Neste último inciso o aborto é livre até a décima segunda semana (três meses). Basta que um médico oupsicólogo ateste que a gestante não tem condições “psicológicas” (!) de arcar com a maternidade.
Eutanásia e suicídio assistido

“Matar por piedade ou compaixão” (eutanásia) passa a ser um crime punível com prisão, de dois a quatro anos (art. 122), muito abaixo da pena prevista para o homicídio: prisão, de seis a vinte anos (art. 121). Porém, o juiz pode reduzir a pena da eutanásia a zero, avaliando, por exemplo, “os estreitos laços de afeição do agente com a vítima” (art. 122, § 1º). Também o auxílio ao suicídio, em tese punível com prisão,de dois a seis anos (art. 123), pode ter sua pena reduzida a zero, nos mesmos casos descritos para a eutanásia (art. 123, §2º).

Renúncia ao excesso terapêutico

O artigo 122, § 2º parece inspirado na doutrina, aceita pela Igreja, de que o paciente pode renunciar a tratamentos desproporcionaisaos resultados, que lhe dariam apenas um prolongamento penoso e precário da vida[3]. A redação, no entanto, é infeliz: fala em deixar de fazer uso de meios “artificiais” para manter a vida do paciente em caso de “doença grave e irreversível”. Ora, a medicina é uma arte e todos os seus meios são artificiais. Do modo como está escrito, o parágrafo pode encobrir verdadeiros casos de eutanásia por omissão de cuidados normais devidos ao doente.



Há tribos indígenas que costumam matar recém-nascidos quando estes, por algum motivo, são considerados uma maldição. De acordo com o projeto, tais crianças ficam sem proteção penal, desde que se comprove que o índio agiu “de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo” (art. 36).

“Preconceito” de gênero

De todos os males contidos no projeto, o mais difícil de corrigir são as cláusulas onde foi inserida a ideologia de gênero, que considera o homossexualismo (e talvez também a pedofilia e a bestialidade) como uma legítima “opção” sexual ou “orientação” (ao invés de desorientação) sexual. O PLC 122/2006 (projeto anti-“homofobia”) da Senadora Marta Suplicy (PT/SP) foi todo inserido no PLS 236/2012. Está no alvo do projeto o bispo diocesano que não admite um homossexual no seminário ou que o afasta do seminário após descobrir sua conduta (art. 472, V), o dono de hotel que se recusa a hospedar um “casal” de homossexuais (art. 472, VI, a) e a mãe de família que demite a babá que cuida dos seus filhos após descobrir que ela é lésbica (art. 472, II). Poderá talvez ser acusado de “tortura” o pregador que, ao comentar um texto bíblico desfavorável ao homossexualismo, “constranger alguém” do auditório, causando-lhe sofrimento “mental” (art. 468, I, c). Segundo o projeto, tais condutas são motivadas por “preconceito” de “gênero”, “identidade ou orientação sexual”. São crimes imprescritíveis, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (art. 474 e 468, § 7º).

A perseguição religiosa está preparada e tende a ser violenta. No entanto, o motivo mais grave que nos deve levar a rejeitar tais cláusulas não está nas suas consequências práticas, mas nos princípios em que se baseiam. Toda pessoa, ainda que pratique condutas sexuais reprováveis, como a pedofilia, o estupro, o incesto, a bestialidade ou o homossexualismo, continua sendo pessoa. E é somente na qualidade de pessoa que ela tem direitos. A deformidade moral que a atinge não pode acrescentar-lhe direitos. Quem aceitaria que alguém, ao assassinar um pedófilo, recebesse, além da pena devida ao homicídio, uma pena extra por demonstrar “intolerância” ou “preconceito” contra a pedofilia? É justamente isso que pretende o projeto. Agravar a pena de todos os crimes, se eles forem praticados por “preconceito” de “orientação sexual e identidade de gênero” (art. 77, III, n). Essa inadmissível agravante genérica aparece também em crimes específicos, como o homicídio (art. 121, §1º, I), a lesão corporal (art. 129, § 7º, II), a injúria (art. 138, § 1º), o terrorismo (art. 239, III), o genocídio (art. 459), a tortura (art. 468, I, c) e o racismo (art. 472).


Notas:
[1] Assim aconteceu com o anteprojeto de Código Penal de 1998, que depois de publicado pelo Ministério da Justiça, ficou por um bom tempo sujeito às críticas da sociedade, inclusive dos Bispos. Porém, nunca chegou a tornar-se projeto de lei.
[2] Em 16/06/2011 o Senador Pedro Taques (PDT/MT) apresentou o Requerimento 756/2011 solicitando a criação de uma Comissão de Juristas para reformar o Código Penal no prazo de 180 dias. O requerimento foi aprovado pelo plenário em 10/08/2011. A Comissão começou a trabalhar em 18/10/2011.
[3] Cf. JOÃO PAULO II, Evangelium Vitae, n. 65.

Fonte: providaanaplois.org.br